segunda-feira, 20 de julho de 2009

Há 4 décadas do pequeno passo...

Quando Louis Armstrong disse a frase famosa: "Um pequeno passo para um homem, um grande passo para a humanidade" havia muito mais luas nas canções.



Deu no New York Times

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Um homem de moral!



Um querido amigo de Brasília me apresentou e me fez cativo da obra de Paulo Vanzolini. Eu já conhecia suas músicas mais conhecidas como “Ronda”, “Volta por cima”, “Praça Clóvis", “Cravo Branco”, "Boca da Noite", "Cuitelinho" e algumas outras... Mas aí o meu amigo disse:

- Paulo Vanzolini é o maior compositor brasileiro vivo!

A frase era de soar hiperbólica e provocativa! Porém, só até você entrar no universo musical desse criador incomparável. Por sua paixão pelo falar do povo, sua humildade de sábio e sua memória de tirar o fôlego... Vanzolini é um mestre! E um ilustre desconhecido do grande público, que como ele mesmo diz, conhece mais sua música do que a ele próprio.

Para atribuir a correta importância das notas e letras e averiguar com justiça o alcance do seu fazer poético, talvez bastasse repetir o que o Chico Buarque já disse. Que aprendeu sua arte de compositor com o amigo Paulo Vanzolini. E de fato, podemos encontrar pontos luminares comuns na produção dos dois. O mesmo refinamento estilístico, a mesma ironia sutil e provocativa, a dicção popular escandida e escondida pela erudição disfarçada de senso comum e um acabamento estético que faz tudo soar simples e harmonioso, como deve ser uma verdadeira obra prima.

Contudo, Vanzolini diz que não faz música popular, porque desde menino lê literatura, já tendo inclusive tentado praticar. Escreveu o seu “Tempos de cabo” do exército na Segunda Guerra em forma de poesia e mais algumas teses científicas. O outro, um Buarque de Holanda, tornou-se realmente um literato consagrado e popular, haja visto o seu “Leite Derramado” com tiragem inicial de 70 mil livros! Pois é! O Chico deve estar vendendo mais livro do que disco novo! Vai ser assim no livro como no samba!

E assim como Sócrates não se considerava um sábio, e só sabia que nada sabia, Vanzolini nem se considera um músico, preferindo ser definido como um herpetólogo de profissão! Ou seja, um cientista do ramo da zoologia que estuda os répteis... Mas o que dizer de um rapaz que estudou medicina na USP só para ter uma sólida formação científica, já que sempre desejou estudar répteis! Fez mestrado em Harvard e dirigiu o Museu de Zoologia da USP por décadas?... Isso tudo sem contar a boemia desregrada dos tempos de estudante uspiano, quando fez – com apenas 18 anos (!) - uma das canções mais conhecidas do repertório boêmio paulista: “Ronda”. “De noite eu rondo a cidade a te procurar...”

“Ronda” deve ser, ao lado de “Sampa” e “Trem das Onze”, uma das músicas que melhor definiram o ‘espírito’ da cidade de São Paulo. Aliás, o próprio Caetano bebeu na fonte vanzolínica pra compor sua homenagem pra Sampa. Isso sem falar da conhecida “Volta por cima” (cantada pelo vozeirão de Paulo Marquez no início desse post), uma genuína criação de mestre, coisas que pouquíssimos autores conseguem fazer: como Noel Rosa e Dorival Caymmi. Tão ao gosto popular que parece realmente uma canção anônima. Facílima de aprender, parece que já vem pré-gravada em nosso DNA. E com o privilégio raro de inventar uma expressão que passou para a 'boca do povo’ como sinônimo de superação: - Dar a volta por cima!

Um divertido exemplo de preciosismo estético encontramos no despretensioso sambinha “Napoleão”, aqui em gravação de Carlinhos Vergueiro para o disco Acerto de Contas volume 1 (ao todo foram 4 volumes do selo Biscoito Fino).



"Napoleão" (Paulo Vanzolini)

Pondo a modéstia de parte
É Napoleão Bonaparte e eu
Que sabemos na verdade
O quanto dói uma saudade

Cada qual de nós pegou o seu
Ele em Waterllo e eu
Num portão até que bem iluminado

Quanta vitória no passado
Quanta página na história
Que derrota tão inglória

Mas das contas no final
Meu pequeno caporal
Sou eu quem mereço pena

Tu tiveste Santa Helena
E minha santinha morena
Napoleão, me castiga e me condena
Com esta separação



Sem querer explicar o óbvio, é deveras inusitado o pernosticismo do namorado exagerado que compara o seu sofrer ao de Napoleão, concluindo porém, que ele teria sofrido mais que o imperador francês! Pois, o general depois de Waterllo teve Santa Helena e ele nem a “santinha morena”...

Além da precisão histórica e de toda a questão de política de alcova que um amor suscita, quedo-me impressionado com o achado do poeta na frase - “meu pequeno caporal”-, pois, como nos ensina o “Houaiss”:

"Caporal: 1 Regionalismo: Portugal. Diacronismo: antigo. 2 Regionalismo: Brasil. Certa variedade de tabaco picado, de má qualidade.

Etimologia
fr. caporal (1571) 'militar menos graduado', (1841) ' tabaco de caporal', der. do it. caporale 'principal', termo militar desde a primeira metade do sXIV, este der. de capo 'cabeça, chefe', sob o modelo de pettorale, temporale."

Ora, sabemos que Napoleão tinha apenas 1,58m, sendo realmente pequeno, mas, tratá-lo por ‘meu pequeno caporal’, como vimos, militar menos graduado e chefe, instaura um duplo sentido de respeito e intimidade, porém ao mesmo tempo desdém e despeito, ou seja, a palavra perfeita para o tom da canção. Isso ilustra o quanto uma canção pode esconder uma lapidação de jóia rara debaixo de sua aparente simplicidade. Fico pensando o quanto Vanzolini deve ter usado essa palavra em seus tempos de cabo na Segunda Guerra...

Também foi lançado este ano e ainda está nos cinemas de São Paulo o filme “Um homem de moral” de Ricardo Dias, que traz nosso professor de répteis falando sua prosa fácil e contando histórias de São Paulo e da Amazônia. Pontuando a conversa assistimos a alguns momentos da gravação do "Acerto de Contas" em 2004, com um grupo respeitável de 'cobras' esmerando-se em gravar quase toda a obra do mestre dos répteis, que vive entre a floresta e a cidade, entre lagartos e sambas. E vamos sabendo de sua vida como zoólogo, dos cálculos de impacto ambiental, da militância ecológica, da resistência política e dos livros comprados com dinheiro de direito autoral e doados para a biblioteca do Museu de Zoologia da USP! Ao final, mesmo que ele não se considere verdadeiramente um compositor de profissão, mas, assim no samba como na vida, quem poderia ter erigido maior moral?

Um pouco mais sobre Vanzolini:

- Palpite de Antônio Cândido.

- Entrevista com o autor do filme “Um homem de moral”.

Trailer do filme: