domingo, 11 de novembro de 2007

Um rei que sabia demais!


Os shoppings das cidades do Brasil já contam com a presença de Papai Noel! O bom velhinho parece chegar mais cedo a cada ano. Ouvi o comentário de um deles – “É por causa do derretimento do Pólo Norte!”

Pois, não fosse a faixa presidencial e o matiz preto e branco envelhecido, muita gente poderia pensar que a foto da capa da Veja dessa semana é a do bom velhinho das renas. Mas trata-se do ex-imperador do Brasil, D. Pedro de Alcântara, mais conhecido como D. Pedro II.

Nosso segundo e último imperador, embora não esteja no panteão dos heróis da pátria, é um caso raro de conduta política digna marcada pela ética e pelo desprendimento. Além do mais, seu interesse pelas artes e ciências fez dele um personagem ímpar. Mais do que um “provável refúgio para a desolação emocional” – como nos escreveu a repórter da revista Veja – o interesse de D. Pedro II pela ciência foi compartilhado por muitos no séc. XIX.

As invenções, maravilhosas e assustadoras para a época, - como a locomotiva (1804), a fotografia (1835), o telégrafo (1835), o telefone (1860), o fonógrafo (1877) - e outras, realmente mudaram a maneira do ser humano se relacionar com o mundo. Afora isso, outros saltos intelectuais como a publicação da “Origem das Espécies”, por Charles Darwin em 1859, fizeram muitos acreditarem que a ciência chegava finalmente ao seu máximo! E que nada mais faltava pra ser inventado! Teorias como o positivismo de Augusto Comte (“Ordem e Progresso”) e a doutrina espírita de Allan Kardec estão intimamente ligados a essa maneira de ver o mundo.

Em 1876 os EUA comemoraram 100 anos de República e o imperador D. Pedro II foi até lá para participar das comemorações e visitar a Feira de Ciências da Filadélfia. Foi nessa feira que o imperador tornou-se uma das primeiras pessoas do mundo a falar ao telefone ("Meu Deus isso fala!") – gostou tanto que fez do Brasil o primeiro lugar a ter telefone fora dos EUA. Inclusive o próprio Alexandre Graham Bell agradeceu ao imperador com uma carta de próprio punho, considerando o interesse do monarca fundamental para despertar a atenção que o novo invento exigia.

Outra paixão foi a fotografia – que naquele momento se chamava ainda daguerreótipo. Ele comprava os aparelhos, importados e caros, e o presenteava talentos como Gilberto Ferrez, que se tornou o primeiro grande fotógrafo brasileiro. O próprio Pedro II foi fotógrafo amador e essas artes reais fizeram do Brasil um dos países com maior acervo de fotos do século XIX do mundo. O acervo de Ferrez está hoje no Instituto Moreira Sales e pode ser visitado online.

Também na música o rei foi um benemérito e exercia um mecenato que atingiu músicos amadores e corais de crianças negras ou brancas, tanto quanto o maior ídolo da música brasileira na época: Carlos Gomes, autor da conhecida ópera “O Guarani” – cuja protofonia toca até hoje no início do programa “Hora do Brasil” e é ainda familiar para muitos brasileiros. D. Pedro II também deu permissão para que Fred Figner – representante da Casa Edison no Brasil – vendesse o fonógrafo de Edison no Brasil. Com isso a família real tornou-se a primeira no país a deixar sons registrados no gravador da época e o país logo depois entrou na era das gravações que revolucionou a indústria cultural.

Pelo interessante apanhado de frases feitas pela reportagem da revista Veja podemos ter uma idéia geral das idéias de nosso ex-imperador.

Frases de D. Pedro II:

"Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República ou ministro à de imperador", (1861)

"Jurei a Constituição; mas ainda que não a jurasse seria ela para mim uma segunda religião".

"A nossa principal necessidade política é a liberdade de eleição; sem esta e a de imprensa não há sistema constitucional na realidade, e o ministério que transgride ou consente na transgressão desse princípio é o maior inimigo do estado e da monarquia". (essa é para o Hugo Chaves!)

"Leio constantemente todos os periódicos da corte e das províncias. (...) A tribuna e a imprensa são os melhores informantes do monarca".

"Sem bastante educação popular não haverá eleições como todos, e sobretudo o imperador, primeiro representante da nação, e, por isso, primeiro interessado em que ela seja legitimamente representada, devemos querer" (em sua primeira viagem escreveu D. Pedro para sua filha a princesa Isabel).

"A escravidão é uma terrível maldição sobre qualquer nação, mas ela deve, e irá, desaparecer entre nós". (Escreveu isso em plena Guerra do Paraguai, sendo muito criticado pela precipitação).

"Os ataques ao imperador não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo ou desabafo partidário". (Regra estabelecida nos Conselhos à Regente – ou seja, conselhos à Princesa Isabel).

"Se pudessem os brasileiros fariam os portugueses em postas".

"Que loucuras cometemos na cama de dois travesseiros!" (Para Ana de Villeneuve – uma de suas amantes ao longo da vida).

"Manuel Deodoro é meu amigo, tenho-o protegido e a toda a família" (Resposta costumeira de D. Pedro II quando o alertavam sobre a agitação dos militares).

"Pois, se tudo está perdido, haja calma. Eu não tenho medo do infortúnio" (No dia 15 de novembro de 1889, ao saber que estava deposto).

Frases atribuídas a ele:

"Eu sou republicano. Todos o sabem. Se fosse egoísta, proclamava a República para ter as glórias de Washington".

Frases de outros sobre D. Pedro II:

"Mercê do seu espírito contemporizador e da sua prodigiosa dissimulação, conservou, na mão de ferro enluvada em veludo, um poder sem contrapeso nem limite". (Rui não estava de todo errado em sua crítica, pois, como sabemos o poder Moderador, de uso exclusivo do imperador, somado ao poder Executivo fazia com que o imperador estivesse acima do Legislativo e do Judiciário. Pedro II conservou o principal instrumento centralizador criado por seu pai Pedro I. Como a reportagem é encomiástica ao Pedro II, foi preciso desfazer a imagem de Rui Barbosa chamando-o de ‘ministro ruinoso’ – por causa do Encilhamento).

"Não é por certo / Boa moral / Trair a esposa / Com a Barral" (Quadrinha popular sobre o caso de amor entre o imperador e Luísa Margarida Portugal de Barros, a condessa de Barral, uma das amantes de Pedro II).

"Era cauto, não casto" (Sobre seus diversos casos fora do casamento).

"Eis o sota escravocrata / Do reinado da patota / Deste reino patarata / Eis o sota escravocrata! / Na sua nádega chata / Fotografou-se o idiota" (O Facho da Civilização, jornal militante que aproveitou o Carnaval para fazer chacota com o imperador).

"Ondas de povo se haviam reunido para o verem passar. Apenas despontou em um coche, puxado por inúmeros braços, rebentou uma imensidade de vivas" (Padre Joaquim Pinto de Campos – sobre recepção a D. Pedro II, então com 5 anos de idade).

"Conheci muitos figurões, mas nunca vi um cujo tratamento igualasse o de dom Pedro em cortesia" (O autor de seu obituário no The New York Times).

"Seu velho palácio na cidade é uma barraca. Velho, podre, arruinado, maltratado, nunca pintado de novo" (Relato do jornalista alemão naturalizado brasileiro Karl von Koseritz).

"Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que está velho e a quem eu respeito muito" (Marechal Deodoro da Fonseca, o ‘proclamador’ da República).


Em tempos de corrupção infame e de um fisiologismo assustador, Pedro II, justamente um imperador, bem que podia servir de inspiração aos futuros políticos e velhas raposas da nossa tão malfadada Nova República.

Pra quem quiser ir mais fundo:

As Barbas do Imperador, de Lilia Moritz Schwarcz.
- D. Pedro II: Ser ou não ser, de José Murilo de Carvalho.
- Citizen Emperor, Roderick J. Barman - historiador britânico hoje baseado no Canadá.
- D. Pedro II e seu mundo através da caricatura, de Araken Távora.

Nenhum comentário: