As relações ocultas que permeiam o cotidiano são intrigantes e reveladoras. De segunda para terça-feira sonhei com Adolf Hitler. Nunca antes eu havia sonhado com o “Fürher”. No sonho eu estava dando aula em Brusque –SC, em uma sala longa e estreita. Os alunos todos sentados e o general em pé com seu uniforme de guerra, olhando os mapas na parede. Para isso ele se debruçava por cima dos alunos e aquilo me incomodava. De cima do tablado, mesmo com medo eu imitava os passos marciais dos soldados nazistas e levantava o braço fazendo a conhecida saudação. Como era uma pantomima brincalhona obviamente que eu não estava à vontade, mas, Hitler, estático, continuava olhando os mapas... Até que repentinamente seus famosos olhos me encararam ameaçadoramente. A cena do sonho foi muito rápida e nítida! E apesar do sonho ser colorido, Hitler era preto e branco, como nas fotos que estamos acostumados. O sonho me incomodou tanto que acordei como em um pequeno choque.
Por que o sonho? Será pela matéria que vi no Fantástico, sobre a ação dos neonazistas de São Paulo? Por que Brusque? Será a colonização alemã? Conexões ocultas ou coincidência apenas o fato é que na noite de terça-feira o filme da Mostra Internacional de Cinema da TV Cultura me deixou mais ainda impressionado. Eu Fui a Secretária de Hitler. Um documentário feito por um relato cru de Frau Tradl Junge, secretária desde 1942 e participante dos últimos momentos do ditador.
Eu já tinha ouvido falar do filme na época de seu lançamento em 2002. Lembrava também ter ouvido falar da tal secretária a propósito do lançamento do filme "A Queda", uma ficção sobre os últimos dias de Hitler que ainda não assisti. Mas não tinha idéia da força de um depoimento. A força da 'História Oral'. Sem imagem e sem maquiagem. O filme mostra a importância dos relatos de contemporâneos para nos ajudar a pensar o mundo e as experiências humanas. Consegue nos prender a atenção, apesar de não haver outras imagens a não ser a octogenária Frau Tradl falando em seu apartamento.
O relato é impressionante e revelador da alma humana com todas as suas contradições. Relato triste e grotescos sobre pessoas que colocaram sonhos e ideais de conquista acima da ética com resultados desastrosos como todos sabem. Porém, Frau Tradl Junge deixa bem claro seu próprio veredicto a propósito de sua experiência única, na última cena do filme. Ela conta que quando foi finalmente libertada e anistiada em 1946, ao andar por uma rua de Berlim deparou-se com uma estátua em homenagem a uma jovem que fora assassinada por se recusar a participar da juventude nazista. Coincidentemente a jovem foi morta no mesmo dia em que Frau Tradl aceitou trabalhar para Hitler. E ela termina dizendo: - O fato de eu ser jovem não me exime da culpa de ter aceitado fazer o que fiz...
Desde o fim do século XVIII, o século das Luzes! O pintor espanhol Francisco Goya já alertava “O sonho da razão produz monstros”. Esses monstros ainda circulam entre nós.
Frau Tradl Junge morreu algumas horas depois do filme ter feito sua estréia nos cinemas de Berlim em 2002.
quarta-feira, 31 de outubro de 2007
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
Um filme falado
Na noite dessa última terça-feira eu tive muita sorte. Já estava quase indo dormir quando parei pra ver qual seria o filme da TV Cultura na Mostra Internacional de Cinema. Quando o apresentador, Leon Kakoff, começou a falar achei até graça! Como pode existir um filme assim e eu nem suspeitar de sua existência?
Todos os professores de História deveriam assistir... E passar para seus alunos! O filme é uma viagem! Literalmente. Literariamente. Um cruzeiro pela bacia do Mediterrâneo e suas incríveis civilizações que colonizaram o mundo do Ocidente e do Oriente. Atrás da aparente simplicidade das conversas entre mãe e filha, e depois, na mesa redonda e poliglótica que se instalou no navio sob o comandante Malkovich, existe uma profunda reflexão sobre a Europa colonizadora e decadente e a condição humana atual.
E ainda de brinde, a beleza de Catherine Deneuve, que já deve ter passado dos sessenta anos! (Numa rápida pesquisa descubro que ela fez aniversário ontem!) O mistério da fala e da voz de Irene Papas (cantora grega que um dia teve um animado papo com Vinícius de Moraes...) e a bela jovem professora de História da Universidade de Lisboa além de outra bela ragazza na mesa do papo.
O filme foi feito em 2001 e lançado em 2003 pelo consagrado diretor português Manuel de Oliveira, na época com apenas 94 anos! Aliás, nesse ano de 2007 esse jovem faz 100 anos! Minha pátria é minha língua! Porém não há civilização que não afunde... somente a história sobrevive...
Confira mais fotos e sinopses e otras cositas más no site oficial do filme.
sexta-feira, 19 de outubro de 2007
"Vai pra lá que eu vou pra cá"... um drible que valeu por cinco gols!
"É como se o corpo recebesse uma luz repentina inexplicável..."
Robinho foi essa semana a encarnação dessa frase de Chico Buarque. Em uma partida com Maracanã lotado e 5 gols marcados, o lance mais visto e comentado foi justamente um drible!
Foi como se a torcida dissesse:
- Gol a gente vê toda hora!... Mas, drible como aquele...
Jogada inédita que já nasceu lembrando música! Inicialmente o Robinho chamou a jogada de "Um pra lá, dois pra cá!" muito bom! Pois foi o jogador adversário (um) pra lá e a bola e o dono da bola (dois) pra cá! Na Globo o Galvão Bueno lembrou-se no ato de um grande sucesso de João Bosco e Aldir Blanc na voz de Elis Regina, "Dois pra lá, dois pra cá" (1975). Ele citou até o nome dos compositores! É pra ver como essa canção foi marcante nos anos 70. E o Robinho pedalando em frente àquele João bem que poderia ter começado a cantar como a Elis:
- "Sentindo frio em minha alma... te convidei pra dançar..." e o marcador dançou...
Mas não foi só essa música que dançou na memória. Aliás, a mesma "luz repentina inexplicável" foi recebida por Chico quando criou uma linha de ataque imaginária e mitológica na canção "O Futebol" (1989) - que também traz uma expressão evocada na noite da consagração do drible do Robinho na linha do Equador: "Parafusar algum João"...
A expressão: - “Parafusar João”, nasceu das jogadas mitológicas do anjo das pernas tortas, Mané Garrincha, que com seus garranchos "parafusava" qualquer João que o marcasse. O marcador de Mané era sempre um “João” qualquer que ficava lá, parafusado no campo, sem qualquer reação, enquanto o anjo recebia a “luz repentina inexplicável” e passava voando com a bola levada por suas pernas tortas...
Em entrevista ao repórter Geneton Moraes Neto, de onde a epígrafe desse post foi extraída, Chico constata que a música e o futebol permitem atos de criação instantâneos, que fascinam e encantam.
A ídéia do criador ginga quando cria...
E a nossa fica lá, parafusada, gingando no lance do criador...
recebendo aquela luz repentina e inexplicável...
Robinho foi essa semana a encarnação dessa frase de Chico Buarque. Em uma partida com Maracanã lotado e 5 gols marcados, o lance mais visto e comentado foi justamente um drible!
Foi como se a torcida dissesse:
- Gol a gente vê toda hora!... Mas, drible como aquele...
Jogada inédita que já nasceu lembrando música! Inicialmente o Robinho chamou a jogada de "Um pra lá, dois pra cá!" muito bom! Pois foi o jogador adversário (um) pra lá e a bola e o dono da bola (dois) pra cá! Na Globo o Galvão Bueno lembrou-se no ato de um grande sucesso de João Bosco e Aldir Blanc na voz de Elis Regina, "Dois pra lá, dois pra cá" (1975). Ele citou até o nome dos compositores! É pra ver como essa canção foi marcante nos anos 70. E o Robinho pedalando em frente àquele João bem que poderia ter começado a cantar como a Elis:
- "Sentindo frio em minha alma... te convidei pra dançar..." e o marcador dançou...
Mas não foi só essa música que dançou na memória. Aliás, a mesma "luz repentina inexplicável" foi recebida por Chico quando criou uma linha de ataque imaginária e mitológica na canção "O Futebol" (1989) - que também traz uma expressão evocada na noite da consagração do drible do Robinho na linha do Equador: "Parafusar algum João"...
"O Futebol" (1989) - Chico Buarque Para estufar esse filó Como eu sonhei Só Se eu fosse o Rei Para tirar efeito igual Ao jogador Qual Compositor Para aplicar uma firula exata Que pintor Para emplacar em que pinacoteca, nega Pintura mais fundamental Que um chute a gol Com precisão De flecha e folha seca Parafusar algum joão Na lateral Não Quando é fatal Para avisar a finta enfim Quando não é Sim No contrapé Para avançar na vaga geometria O corredor Na paralela do impossível, minha nega No sentimento diagonal Do homem-gol Rasgando o chão E costurando a linha Parábola do homem comum Roçando o céu Um Senhor chapéu Para delírio das gerais No coliseu Mas Que rei sou eu Para anular a natural catimba Do cantor Paralisando esta canção capenga, nega Para captar o visual De um chute a gol E a emoção Da idéia quando ginga (Para Mané para Didi para Mané Mané para Didi para Mané para Didi para Pagão para Pelé e Canhoteiro) |
A expressão: - “Parafusar João”, nasceu das jogadas mitológicas do anjo das pernas tortas, Mané Garrincha, que com seus garranchos "parafusava" qualquer João que o marcasse. O marcador de Mané era sempre um “João” qualquer que ficava lá, parafusado no campo, sem qualquer reação, enquanto o anjo recebia a “luz repentina inexplicável” e passava voando com a bola levada por suas pernas tortas...
Em entrevista ao repórter Geneton Moraes Neto, de onde a epígrafe desse post foi extraída, Chico constata que a música e o futebol permitem atos de criação instantâneos, que fascinam e encantam.
A ídéia do criador ginga quando cria...
E a nossa fica lá, parafusada, gingando no lance do criador...
recebendo aquela luz repentina e inexplicável...
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
Eu tinha 5 anos na Copa de 1970. Mesmo assim lembro-me do clima de festa. Minha mãe, grávida de meu segundo irmão, querendo arrumar logo a casa porque meu pai chegaria mais cedo do trabalho. Afinal o Brasil ia jogar na televisão e isso era uma coisa especial.
Aliás, o filme será muito mais especial para essa geração da qual faço parte - que tinha de uns 5 a uns 15 anos nesses tempos do “Milagre Brasileiro”. A passagem do tempo é impressionante, experiência pessoal e única. Aos poucos vamos assistindo nossas lembranças pessoais de infância se transforarem em parte da memória coletiva do Brasil contemporâneo. O interior do fusca, a tv preto e branco, a antena com Bom-Bril, o Sugismundo, o álbum de figurinhas, o jogo de botão, o golaço, Pelé, Tostão, Aero Willis, DKW e ditadura. Tudo está presente nas cenas do filme e em nossas lembranças.
O cuidado com os detalhes cenográficos, a atuação das crianças, o roteiro impecável, tudo no filme impressiona. Além de uma leveza e sensibilidade original, pois, apesar do tema pesado, o filme se recusa à provocação do choro fácil ou a mais uma cena de tortura, tão comum em filmes sobre essa época.
A copa de 70 foi a primeira que o Brasil assistiu pela televisão e isso teve um impacto memorável. A música "Pra Frente Brasil" de Miguel Gustavo é até hoje lembrada e cantada por muitos. O coro de assobios da gravação original foi uma solução genial e inconfundível - além de ser bem difícil de imitar... Depois dessa música sempre lembramos a população do Brasil em 1970: 90 milhões. Hoje somos o dobro de pessoas em ação, mas ninguém atualiza esse número quando canta, a exemplo do Jota Quest que num lance de oportunismo gravou a música para a Copa de 2006.
"Pra frente Brasil" (1970) - Miguel Gustavo Noventa milhões em ação, Pra frente Brasil... do meu coração Todos juntos vamos Pra frente Brasil, Salve a Seleção! De repente é aquela corrente pra frente, Parece que todo o Brasil deu a mão... Todos ligados na mesma emoção... Tudo é um só coração! Todos juntos vamos pra frente Brasil, Brasil! Salve a Seleção !!! (bis) |
Os filmes nos ajudam a pensar nossa experiência de mundo. Excitam nossa memória e imaginação. A ‘Copa de 70’ já tem mais uma referência obrigatória de arte e memória. E como na canção que comemora... Não me furto à vontade de terminar cantando o finalzinho do “Parabéns pra você”, com a empolgação de um menino: - Rá-tim-bum! Cao Hamburger, Cao Hamburger!
Ah! O filme foi escolhido para representar o Brasil na luta por uma vaga para o Oscar 2008. Houve quem preferisse o polêmico 'Tropa de Elite', mas a Academia de Hollywood não gosta de violência e talvez tenha uma simpatia especial pelos velhinhos do Brooklim paulistano! Shalom!
O ano em que meus pais saíram de férias
Assinar:
Postagens (Atom)