quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O sonho da razão produz montros...

As relações ocultas que permeiam o cotidiano são intrigantes e reveladoras. De segunda para terça-feira sonhei com Adolf Hitler. Nunca antes eu havia sonhado com o “Fürher”. No sonho eu estava dando aula em Brusque –SC, em uma sala longa e estreita. Os alunos todos sentados e o general em pé com seu uniforme de guerra, olhando os mapas na parede. Para isso ele se debruçava por cima dos alunos e aquilo me incomodava. De cima do tablado, mesmo com medo eu imitava os passos marciais dos soldados nazistas e levantava o braço fazendo a conhecida saudação. Como era uma pantomima brincalhona obviamente que eu não estava à vontade, mas, Hitler, estático, continuava olhando os mapas... Até que repentinamente seus famosos olhos me encararam ameaçadoramente. A cena do sonho foi muito rápida e nítida! E apesar do sonho ser colorido, Hitler era preto e branco, como nas fotos que estamos acostumados. O sonho me incomodou tanto que acordei como em um pequeno choque.

Por que o sonho? Será pela matéria que vi no Fantástico, sobre a ação dos neonazistas de São Paulo? Por que Brusque? Será a colonização alemã? Conexões ocultas ou coincidência apenas o fato é que na noite de terça-feira o filme da Mostra Internacional de Cinema da TV Cultura me deixou mais ainda impressionado. Eu Fui a Secretária de Hitler. Um documentário feito por um relato cru de Frau Tradl Junge, secretária desde 1942 e participante dos últimos momentos do ditador.

Eu já tinha ouvido falar do filme na época de seu lançamento em 2002. Lembrava também ter ouvido falar da tal secretária a propósito do lançamento do filme "A Queda", uma ficção sobre os últimos dias de Hitler que ainda não assisti. Mas não tinha idéia da força de um depoimento. A força da 'História Oral'. Sem imagem e sem maquiagem. O filme mostra a importância dos relatos de contemporâneos para nos ajudar a pensar o mundo e as experiências humanas. Consegue nos prender a atenção, apesar de não haver outras imagens a não ser a octogenária Frau Tradl falando em seu apartamento.

O relato é impressionante e revelador da alma humana com todas as suas contradições. Relato triste e grotescos sobre pessoas que colocaram sonhos e ideais de conquista acima da ética com resultados desastrosos como todos sabem. Porém, Frau Tradl Junge deixa bem claro seu próprio veredicto a propósito de sua experiência única, na última cena do filme. Ela conta que quando foi finalmente libertada e anistiada em 1946, ao andar por uma rua de Berlim deparou-se com uma estátua em homenagem a uma jovem que fora assassinada por se recusar a participar da juventude nazista. Coincidentemente a jovem foi morta no mesmo dia em que Frau Tradl aceitou trabalhar para Hitler. E ela termina dizendo: - O fato de eu ser jovem não me exime da culpa de ter aceitado fazer o que fiz...

Desde o fim do século XVIII, o século das Luzes! O pintor espanhol Francisco Goya já alertava “O sonho da razão produz monstros”. Esses monstros ainda circulam entre nós.

Frau Tradl Junge morreu algumas horas depois do filme ter feito sua estréia nos cinemas de Berlim em 2002.

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